A liturgia da Igreja fixa a maior festa litúrgica
do ano, a Páscoa da Ressurreição do Senhor, no primeiro domingo após o
plenilúnio (lua cheia) da primavera no hemisfério norte. Assim, cada ano, a Páscoa pode ocorrer desde o domingo, 22
de março, até o domingo, 25 de abril. É mais de um mês de oscilação. Este ano, a
quarta-feira de Cinzas será no dia 5 de março e a Páscoa, 20 de abril, porque
há lua cheia no dia 15 de abril.
A história
da Igreja conheceu longa controvérsia sobre a fixação da festa da Páscoa, com
diversidade de datas entre o Oriente e a praxe de Roma, seguida em todo o
Ocidente. Após várias decisões conciliares e decretos papais, finalmente, só no
início do século VIII, é que se chegou à unanimidade da data da Páscoa, como
conhecemos hoje.
E agora, a pergunta: e que tem a ver isso com o
Carnaval? Nada, absolutamente nada, devemos responder. Mas é que o Carnaval
nasceu de uma festa, que os cristãos celebravam na chamada Terça-feira Gorda, com abundante refeição com carne,
despedindo-se da carne – em latim “Carnis,
vale!” – “Adeus, carne!” Daí, o nome
Carnaval. Isso porque, no dia seguinte, começavam quarenta dias do rigoroso jejum, nos quais era
absolutamente proibido o uso de carne nas refeições. Acontece que nem existe
mais este jejum de 40 dias, nem os cristãos se despedem de comer carne; nem os
que festejam o Carnaval – hoje com elementos das bacanais romanas – têm a ver
com Quaresma e os que celebram a liturgia quaresmal, começada com a quarta-feira
de Cinzas, pouco têm a ver com o Carnaval. Antes, muitos e sobretudo os jovens
de vida cristã comprometida aproveitam esses três dias de feriado para retiro
espiritual, com uma renovação e uma séria preparação para o santo tempo
quaresmal, que leva à Semana Santa da Páscoa.
E então, por que a data do Carnaval ficou vinculada à celebração litúrgica da Páscoa, com o início
da Quaresma na quarta-feira de Cinzas? Não há explicação razoável possível.
Trata-se de mera inércia histórica, dessas que ficam (“como sempre foi”...)
porque ninguém tem coragem de mudar. Ainda bem, quando o Carnaval se limitava
aos três dias, chamados de folia, e terminava rigorosamente na manhã da assim
apelidada “quarta-feira ingrata”, como
diziam os foliões. Hoje, o que acontece em muitas capitais desse nosso Brasil
carnavalesco é que o Carnaval dura quase um mês, invade a Quaresma, desde o
desfile no Rio das escolas de samba vitoriosas até outras manifestações de
folia durante o tempo, que os cristãos consideram sagrado.
Já tive oportunidade de propor em reunião da CNBB
nacional um acordo com as entidades carnavalescas para eliminação dessa esdrúxula e absurda
vinculação do Carnaval com a Quaresma, hoje absolutamente sem sentido. Alguns
anos atrás, o diretor cultural da Liga Independente das Escolas de Samba do
Recife, Sr. Hiram Araújo, propôs, em
artigo do Jornal do Commercio, uma data fixa para os dias da folia. Ele
dizia que “a idéia vem ganhando adeptos das agremiações carnavalescas, mas
esbarra numa força superior: a Igreja Católica, que determinou, diz ele, o
calendário da festa sempre 40 dias antes da Páscoa.” Como bispo, posso
perguntar: “E o que a Igreja tem a ver com a data do Carnaval? Nada!” De minha parte, acho que ela deveria ser em
data fixa, como propõe o Sr. Hiran,
contanto que, respeitando o sentimento religioso de boa parte do povo
brasileiro, não coincidisse com a Quaresma. O primeiro domingo de fevereiro,
por exemplo, seria uma boa data. Para os organizadores da festa haveria a
vantagem de saber sempre com
antecedência a data do Carnaval, sem precisar recorrer cada ano (vejam o
absurdo!) ao calendário litúrgico da Igreja.
Espero que algum dia o bom senso prevaleça e se
faça a separação entre a festa dos foliões e o santo tempo litúrgico da
Quaresma, que nos leva à Páscoa do Senhor.
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