quinta-feira, 26 de junho de 2014

Carnaval e Quaresma

A liturgia da Igreja fixa a maior festa litúrgica do ano, a Páscoa da Ressurreição do Senhor, no primeiro domingo após o plenilúnio (lua cheia) da primavera no hemisfério norte. Assim, cada  ano, a Páscoa pode ocorrer desde o domingo, 22 de março, até o domingo, 25 de abril. É mais de um mês de oscilação. Este ano, a quarta-feira de Cinzas será no dia 5 de março e a Páscoa, 20 de abril, porque há lua cheia no dia 15 de abril.
 A história da Igreja conheceu longa controvérsia sobre a fixação da festa da Páscoa, com diversidade de datas entre o Oriente e a praxe de Roma, seguida em todo o Ocidente. Após várias decisões conciliares e decretos papais, finalmente, só no início do século VIII, é que se chegou à unanimidade da data da Páscoa, como conhecemos hoje.
E agora, a pergunta: e que tem a ver isso com o Carnaval? Nada, absolutamente nada, devemos responder. Mas é que o Carnaval nasceu de uma festa, que os cristãos celebravam na chamada  Terça-feira  Gorda, com abundante refeição com carne, despedindo-se da carne – em latim “Carnis, vale!” – “Adeus, carne!”  Daí, o nome Carnaval. Isso porque, no dia seguinte, começavam  quarenta dias do rigoroso jejum, nos quais era absolutamente proibido o uso de carne nas refeições. Acontece que nem existe mais este jejum de 40 dias, nem os cristãos se despedem de comer carne; nem os que festejam o Carnaval – hoje com elementos das bacanais romanas – têm a ver com Quaresma e os que celebram a liturgia quaresmal, começada com a quarta-feira de Cinzas, pouco têm a ver com o Carnaval. Antes, muitos e sobretudo os jovens de vida cristã comprometida aproveitam esses três dias de feriado para retiro espiritual, com uma renovação e uma séria preparação para o santo tempo quaresmal, que leva à Semana Santa da Páscoa.
E então, por que a data do  Carnaval ficou  vinculada  à celebração litúrgica da Páscoa, com o início da Quaresma na quarta-feira de Cinzas? Não há explicação razoável possível. Trata-se de mera inércia histórica, dessas que ficam (“como sempre foi”...) porque ninguém tem coragem de mudar. Ainda bem, quando o Carnaval se limitava aos três dias, chamados de folia, e terminava rigorosamente na manhã da assim apelidada  “quarta-feira ingrata”, como diziam os foliões. Hoje, o que acontece em muitas capitais desse nosso Brasil carnavalesco é que o Carnaval dura quase um mês, invade a Quaresma, desde o desfile no Rio das escolas de samba vitoriosas até outras manifestações de folia durante o tempo, que os cristãos consideram sagrado.
Já tive oportunidade de propor em reunião da CNBB nacional um acordo com as entidades carnavalescas para  eliminação dessa esdrúxula e absurda vinculação do Carnaval com a Quaresma, hoje absolutamente sem sentido. Alguns anos atrás, o diretor cultural da Liga Independente das Escolas de Samba do Recife, Sr. Hiram Araújo, propôs,  em artigo do Jornal do  Commercio,  uma data fixa para os dias da folia. Ele dizia que “a idéia vem ganhando adeptos das agremiações carnavalescas, mas esbarra numa força superior: a Igreja Católica, que determinou, diz ele, o calendário da festa sempre 40 dias antes da Páscoa.” Como bispo, posso perguntar: “E o que a Igreja tem a ver com a data do Carnaval? Nada!”  De minha parte, acho que ela deveria ser em data fixa, como propõe  o Sr. Hiran, contanto que, respeitando o sentimento religioso de boa parte do povo brasileiro, não coincidisse com a Quaresma. O primeiro domingo de fevereiro, por exemplo, seria uma boa data. Para os organizadores da festa haveria a vantagem de saber sempre  com antecedência a data do Carnaval, sem precisar recorrer cada ano (vejam o absurdo!) ao calendário litúrgico da Igreja.

Espero que algum dia o bom senso prevaleça e se faça a separação entre a festa dos foliões e o santo tempo litúrgico da Quaresma, que nos leva à Páscoa do Senhor.

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