quarta-feira, 23 de julho de 2014

"Estou nas mãos de Deus"

“Que as anotações pessoais sejam queimadas. Peço que vele sobre isso o padre Stanislaw, a quem agradeço pela colaboração e ajuda tão prolongada através dos anos” – escrevia S. João Paulo II em seu testamento de 6 de março de 1979. “Não queimei as anotações de João Paulo II, porque elas são a chave para compreender sua espiritualidade, aquilo que é mais íntimo no homem: sua relação com Deus, com os outros e consigo mesmo”- explicou o hoje Cardeal Estanislau Dziwisz, arcebispo de Cracóvia, no prólogo de um alentado volume de 638 páginas, publicado no Brasil este ano pela Editora Planeta.                                              No prefácio desse livro, que tem por título “Estou nas mãos de Deus” , informa o Padre Jan Machniak que as anotações espirituais revelam ao longo de dezenas de anos (1962 a 2003) a profundidade de trato com Deus de Karol Woytila – bispo auxiliar, arcebispo de Cracóvia, cardeal e papa. E acrescenta: “Nos últimos anos, as anotações dos exercícios espirituais tornaram-se cada vez mais breves. O Santo Padre anotava o tema do retiro e o programa do dia. Há menos observações pessoais.”     
No Vaticano, houve quem criticasse a atitude de Dziwisw de não cumprir a determinação de seu amigo e protetor, que tinha nele absoluta confiança, pelas décadas que esteve ao seu lado, como secretário particular,  desde bispo auxiliar em Cracóvia até Papa em Roma. Acontece que em qualquer processo de beatificação – e eu participei como testemunha no processo do Padre Rodolfo de S. José dos Campos – todos os discursos, cartas e quaisquer escritos do candidato às honras dos altares são cuidadosamente examinados pelos juízes da Congregação romana para as Causas dos Santos. Entre eles, está o famoso Defensor da Fé, que jocosamente é chamado de “advogado do diabo”, porque lhe incumbe a árdua tarefa de descobrir se há algum erro ou deslize nos escritos e no comportamento do proposto a ser declarado santo pela Igreja. A destruição de qualquer documento, como esse de João Paulo II, seria altamente suspeita. Por isso, Estanislau Dziwisz, secretário de João Paulo II, entregou suas anotações pessoais à Congregação para as Causas dos Santos.                                                                                                                   
O  tesouro espiritual que fica nessas páginas é de valor inestimável. Começa em 1962, quando ele era bispo auxiliar e vai até o retiro espiritual de 2003, perto de sua morte. Ele “cruzou o limiar da esperança”   às 21:37 do sábado da semana de Páscoa, 2 de abril de 2005.          
 Pelo reduzido espaço de que disponho, vou limitar-me a poucas citações. No retiro de 1962, em preparação ao Concílio: “Estou nas mãos de Deus – o conteúdo daquele Totus Tuus (Todo teu) apareceu com em um novo lugar. Quando qualquer assunto meu se transforma, assim, em propriedade de Maria, é possível enfrentá-lo, mesmo que isso implique um risco.” No retiro de 1964, arcebispo de Cracóvia: “Redirecionamento  do retiro à santíssima humanidade de Cristo e portanto, à sua Mãe – calem-se os doutores, um é o Mestre: Cristo. Retrocedam as criaturas, fala-me só Tu. Sobre a kénosis  (esvaziamento) ou seja sobre a destruição do amor próprio como condição para essa escuta durante o retiro.” No retiro de 1983, pregado pelo Card. Ratzinger, ele rezava: “Ao celebrar mais uma santa Quaresma, concedei-nos avançar na inteligência do mistério de Cristo e vivê-lo em sua plenitude” e refletia: “Indo para o deserto, Jesus penetra na história de seu povo, em seu caminhar e em suas tentações no deserto. Assim, os sacerdotes de hoje terão de marcar o caminho através do deserto da modernidade.” No retiro de 1986, pregado pelo Reitor Mor dos Salesianos, Pe. Viganò: “A santidade (vida no Espírito, vida de fé, esperança, caridade) concentra-se definitivamente no amor: amor de Deus e do homem, inseparáveis. Amor pastoral. O caminho do amor é o homem. Deus, para revelar seu amor, fez-se homem, pobre. Cristo, fonte desse amor.” O último retiro que ele anotou foi o de 2003.

 O livro citado reproduz a última página da agenda escrita por Karol Wojtyla, com essas palavras: “Jonas, ou seja, o medo de anunciar o amor de Deus.”     

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A paz no futebol

          Com esse título, o Sr. Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, promoveu a celebração de uma santa Missa, na igreja da Santa Cruz, (a igreja de minha infância) no último dia 2 de junho, em memória ao 30º dia de falecimento do jovem, vítima de louco atentado de um leviano torcedor, que no final de uma partida de futebol no Recife atingiu mortalmente com uma latrina o jovem, cuja família participou consternada da celebração litúrgica. Estavam presentes, além do Sr. Arcebispo, quatro bispos, grande número de fiéis, que lotaram o templo sagrado e os presidentes dos três maiores times de futebol da capital pernambucana. O Sr. Arcebispo explicou, no início da celebração eucarística, o sentido daquele ato de piedade cristã, acentuando a prece que se fazia naquele momento para que reine a paz, e nunca a violência, nas competições esportivas, sobretudo quando o país estava às vésperas da realização em nossa pátria da Copa do Mundo.
                Também a Pastoral do Esporte da Arquidiocese do Rio de Janeiro realizara, no dia 19 de maio, no próprio estádio do Maracanã, encontro interreligioso, iniciando a campanha “Copa da Paz”. Participaram, juntamente com os católicos, outros representantes do cristianismo evangélico, do judaísmo, islamismo, budismo, umbanda e candomblé. Estavam presentes,  além das várias pastorais da Arquidiocese do Rio , também representantes de movimentos sociais, como o “Viva Rio”, a Rede “Desarma Brasil”, e o presidente da Federação Carioca das Torcidas Organizadas.
                A Campanha “Copa da Paz” – como informa o boletim arquidiocesano – faz parte do projeto “100 Dias de Paz”, no qual a Pastoral do Esporte busca grande mobilização da sociedade carioca com o  “Decore sua rua”, a “Tenda da Paz” e uma conferência sobre um mundo sem armas, como construção de um legado social deixado pela Copa do Mundo. Todo esse movimento visa a cumprir o artigo 29 da Lei Geral da Copa, promulgada pela FIFA, “ com divulgação de eventos de campanhas  com temas sociais”.
                Todos concordam que o futebol, como os outros esportes, quando trabalhados de maneira correta são excelentes ferramentas de inclusão social e implantação de valores positivos na sociedade.
As preocupações da Igreja do Brasil, nesta Copa, além da violência nos estádios, a que nos referimos, são:
-  os gastos astronômicos que foram feitos na construção desses elefantes brancos, como as suntuosas arenas de Manaus, Cuiabá e da própria capital federal, com seu “Mané Garrincha”;
-  a exploração sexual por parte de turistas das ingênuas mocinhas de nossas capitais;
- o tráfico humano para prostituição no exterior;
- a violência dos vândalos, infiltrados nas justas e democráticas manifestações populares por  um país melhor e mais feliz.

E agora, a pergunta: “O que se pode esperar do pós-Copa?” Responde o Prof. José Márcio Barros, da PUC-Minas: “O futebol vem se transformando no mundo todo, e o Brasil não fica fora desse processo, em um grande negócio, um grande espetáculo midiático. Cada vez mais admiração, cada vez menos sociabilidade comunitária. Cada vez menos jogo, cada vez mais aposta.” E acrescenta, em resposta à mesma pergunta, o Prof. Maurício Murad, da mesma Universidade: “O que desejaríamos esperar do pós-Copa seria um legado para a sociedade brasileira, sobretudo mais pobre, em termos de segurança, transporte, saúde e educação. Infelizmente o que estamos vendo é que os governos preferem viver e divulgar no discurso oficial o Brasil do “faz-de-conta”, em vez de melhorar a realidade do país, ainda muito desigual e injusta.”

Brasil, futebol clube

“Um jogo de futebol em uma Copa do Mundo é o fato social total. Expresso na metonímia de que 11 pessoas são o Brasil” – diz o Prof. Edson Gastaldo, da Universidade Rural  do Rio de Janeiro. Sob o título “A Pátria de chuteiras”, o último número da revista da PUC-Minas  traz  longo e profundo estudo sobre o fenômeno cultural que representa o futebol para nossa pátria, começando pelo subtítulo: “Presente no cotidiano do país, o futebol permeia a cultura e celebra a nacionalidade brasileira.” Essa Universidade orgulha-se de ter  tido entre seus alunos o meia Rivelino e o atacante Romário.
                Numa tarde fria de outono de  1895, Charles Miller (1874-1953) reuniu uns amigos e convidou-os a disputarem uma partida de foot-ball, enquanto lhes explicava as regras  do novo esporte  e enchia de ar a bola para a primeira partida desse jogo no Brasil, que até então só conhecia o críquete – foi o que informou o introdutor no Brasil do esporte bretão, em declaração à revista O Cruzeiro de 1952. Por muito tempo ainda, as Ciências Sociais viam o futebol de modo desconfiado. Julgavam-no como o ópio do povo, que servia apenas para ludibriar as classes trabalhadoras e afastá-las das discussões políticas de seus interesses. O maestro Heitor Villa Lobos dizia que o futebol não pegaria no Brasil, sendo mais um modismo, como na época eram o ioiô e o bambolê. É de Graciliano Ramos o texto Futebol é fogo de palha, publicado em 1920.
                Foi a partir do Estado Novo, com o Presidente Getúlio Vargas, que o futebol começou a se popularizar.  A Copa da França em 1938, com a participação de Leônidas, o “diamante negro” e a transmissão radiofônica, empolgou todo o país. A obtenção do 2º lugar, vencido pela Itália na partida final, trouxe enorme popularização para o futebol.  A criançada – eu estava nela – fazia  os famosos álbuns de figurinhas. Comentaristas radiofônicos e cronistas nos jornais, como os irmãos Mário Filho e Nelson Rodrigues, João Saldanha e Armando Nogueira usavam linguagem coloquial, mais próxima do torcedor. Poucos sabem que o nome oficial do Maracanã, palco do final desta Copa, é Estádio Jornalista Mário Filho. Maracanã  é  bairro carioca, onde se situa o famoso estádio.  O governo militar aproveitou bem da conquista do tricampeonato mundial no México, em 1970, com as campanhas ufanistas do slogan Ninguém segura este país  e o hino da Copa Noventa milhões em ação – Pra frente Brasil do meu coração – Salve a Seleção.  Também a campanha Diretas Já!  colocou nos palanques de seus comícios o craque corintiano Sócrates.
                Para esta Copa, o Ministério do Turismo calcula que o Brasil irá receber cerca de 600 mil turistas estrangeiros, além de 1,1 milhão de brasileiros que se deslocarão pelo país para as cidades-sedes do Mundial. Para o arcebispo Anuar Battisti, da pastoral do turismo da CNBB, “Um evento como esta Copa pode ser muito favorável para o nosso país. O grande ganho, diz ele, será tornar nosso país mais conhecido e admirado. Desejamos que os turistas do esporte possam ser também turistas de outras maneiras, tão agradáveis como o futebol.”

                O que me impressiona – e esta é uma opinião inteiramente pessoal – é que se o Brasil não conquistar o primeiro lugar, que obteve já cinco vezes, para muitos será uma desgraça nacional, quase como se uma bomba atômica tivesse caído em território nacional. Mas - pergunto eu antipaticamente - as outras seleções não têm também, como a nossa, o direito de conquistar a Copa do Mundo?...  

LUTERO, O MONGE, O TEÓLOGO, O REFORMADOR - Palestra

LUTERO
O MONGE, O TEÓLOGO, O REFORMADOR



1.      INTRODUÇÃO – O artigo de J.L.Delgado no Jornal do Commercio:
               Três lições da Reforma Protestante:
a)      A situação moral grave da Igreja de Roma – Por dois séculos, ouviu-se o brado: “Reforma na cabeça e nos membros!” –
Os 3 Papas anteriores a Lutero:
      Alexandre VI (1492-1503) – antes de ser papa, péssimos costumes morais – como papa, a divisão do Novo Mundo;
      Júlio II (1503-1513) – mais guerreiro, que pontífice, bom papa;
      Leão X  (1513-1521) – um Medici, grande cultor da Arte.
b)      A escalada das radicalizações entre os príncipes alemães e Roma:
“Gravamina nationis germanicae” e a rivalidade entre agostinianos e dominicanos.
c)      As palavras de Jesus: “As portas do inferno não prevalecerão sobre ela” (Mt 16, 18) .

2.      A complexa personalidade de Lutero (1483-1546) –
             Definição de um historiador sério e isento.
      
3.      Lutero, monge e teólogo –
            Sua vida: Nascimento - Batismo – Pai - Educação – Primeiros estudos Vocação – “Novo São Paulo” – Epilepsia - Sacerdote (1507) – Mestre em filosofia (1508)  - Visita a Roma (4 semanas em 1510)  - Escandalizou-se com as indulgências  - Não aceito nem prestigiado – Doutor em teologia (1512).
           



4.      Voltando de Roma, começa a fatal evolução de seu espírito.
Causas:
a)      muito trabalho intelectual e pouca oração;
b)      desprezo pelas normas disciplinares da vida religiosa e pela ascética;
c)      desconhecimento da teologia escolástica e desprezo por S.Tomás de Aquino
d)      orgulho e teimosia, com a convicção de que era chamado por Deus a realizar “grandes coisas” na Igreja.

5.      A pregação das indulgências de Leão X.
Dominicanos e não agostinianos – O dominicano João Etzel: abusos e desatinos pastorais e teológicos – O Papa lhe retira essa missão – Era tarde demais...

6.      Na véspera da festa de Todos os Santos de 1517, afixava na porta da Universidade de Witemberg suas 95 teses – (Marx, historiador alemão: análise de seu conteúdo).

7.      1518: Começa o processo em Roma – Não se retratou, exigia um Concílio a seu modo.
15 de junho de 1520: A bula de sua condenação “Exsurge Domine”, a ser executada pelos príncipes alemães. Ao contrário, deram-lhe um salvo-conduto.
10 de dezembro de 1520 – fogueira dos estudantes de Wittemberg  dos livros de Direito Canônico – Lutero queimou a bula de sua condenação.

8.      Neste ano, no retiro de Wartburg, escreve os livros que marcam sua definitiva separação da Igreja:
“O Papado em Roma”
“Discurso sobre o Novo Testamento”
“À nobreza cristã da nação germânica”
Ele dizia que ia abater “as muralhas do romanismo”: distinção entre clérigo e leigo – interpretação oficial da Bíblia – direito exclusivo do Papa de convocar um concílio ecumênico – o direito  canônico.
Era contra: o celibato clerical; o latim na liturgia; o cálice só para o ministro; os sete sacramentos (só Batismo, Ceia, Penitência).
Ensinava: “crede fortiter et pecca fortiter”.

9.      Escreveu ainda:
“Juizo sobre os votos monásticos “ – despovoou os conventos.
“Da abolição da missa privada”
“A Missa em alemão”


10.  Declínio:
- A revolta dos camponeses – sua dúplice posição
- Casa-se com a ex-freira Catarina de Bora – Seis filhos, ignorados pela história
- Desilusões: Calvino na Suiça, Henrique VIII na Inglaterra e o fato dos príncipes alemães se apossarem dos bens eclesiásticos, em nome das novas ideias.
 - No retiro de Wartburg, ele dizia que eram insinuações do demônio suas posições contra a Igreja de Roma.
       11. O Concílio de Trento – “in faucibus Germaniae”
            Em três períodos: 13 de dezembro de 1545 a 4 de dezembro de 1563
            Três Papas: Paulo III, Júlio III e Pio IV
Aclarou os dogmas da Igreja, reprimiu com energia os muitos abusos morais, desde a reforma da Cúria romana, os famosos “benefícios” de bispos e abades, a obrigação da residência. Realizou a verdadeira Reforma da Igreja.
Lutero escreveu: “O Papado de Roma, fundado pelo diabo.”

12.   Apreciação final:
1)      Lutero nunca aceitou sua terrível vocação de revolucionário.  Ver Miegge.
Alguns acham que a causa de sua revolta foi “sua orgulhosa e sofrida intolerância a qualquer contradição de suas ideias por parte de seus adversários. É o que ele próprio afirma no seu livro “De captivitate babilônica” sobre o Papado e as indulgências.
2)      O conhecimento adequado do ambiente histórico-teológico em que se movimentou o monge Lutero
a)      Diminui o aspecto de novidade de suas ideias teológicas
b)      Acentua os elementos patológicos de seu caráter, às vezes contraditório
c)      Distingue nele o que eram as exigências teológicas da Alemanha e o que era uma reta aspiração da renovação espiritual das formas de piedade da época;
d)      Por fim, faz notar os elementos estranhos que interferiram em sua obra de reformador.
3)      Unilateralmente, a História pode considerar Lutero:
        Ou um místico, avesso aos dogmas de teologia e expressão viva da alma germânica da época;
       Ou um simples destruidor da Igreja e da consciência dogmática!








FIM

Desiludido pelos rumos indesejados que tomou sua reforma, faleceu a 18 de fevereiro de 1546 e foi sepultado –ironia da História – na festa da Cátedra de São Pedro em Roma, 22 de fevereiro .




quarta-feira, 9 de julho de 2014

A GRANDE GUERRA

                Cresci ouvindo falar da “Grande Guerra”, que neste 28 de julho completa cem anos de seu início. Só mais tarde, com a guerra mundial de 1939-1945, mais devastadora do que ela, tomou o nome de “Primeira Guerra Mundial”.  Foram 15 milhões de mortos, em grande parte  soldados.  A gripe espanhola, que lhe seguiu, infectou um terço da população mundial e matou 50 milhões de pessoas, portanto, mais que três vezes a guerra em si.
                Eu teria podido participar da Segunda Guerra, se o Brasil tivesse enviado a 5ª Expedição em 1945, quando completei os 18 anos para o alistamento. Mas no início daquele ano, a guerra já estava definida em favor dos aliados com a derrota total do nazismo.
                Convivi, porém, com três participantes da Primeira Guerra Mundial, que tiveram grande importância na minha vida de seminarista e marcaram profundamente minha formação sacerdotal-salesiana.
                O primeiro deles foi o Padre Guido Barra, que fora oficial do exército italiano e, que entre outras coisas, nos falava da imensa dificuldade de comunicação com seus subalternos, usando as primitivas e rudimentares máscaras contra gazes tóxicos, empregadas na guerra de fronteira, que marcou o estilo do conflito. Com o advento do fascismo, ao qual ele se opunha, os Superiores julgaram por bem enviá-lo para o Brasil, onde foi diretor do Colégio Salesiano de Belém, Provincial do Nordeste e depois  do Mato Grosso e, finalmente, membro do Conselho Geral da Congregação Salesiana. Foi ele quem me aceitou no noviciado e recebeu meus primeiros votos religiosos.
                O segundo ex-combatente que conheci foi o Pe. Angelo Visentim, meu mestre de noviciado. Quando lhe perguntávamos se ele havia matado alguém na guerra, ele respondia que não podia saber, porque sua missão eram o manejo dos canhões, cujo alvo estava bem distante.
                O terceiro foi o santo Pe. Rodolfo Komorek, com quem convivi três abençoados anos, os últimos de sua vida, em S. José dos Campos, S.P. Em 1914, sacerdote da diocese polonesa de Bieslsko, ele solicitou sua aceitação como capelão militar no exército austríaco. Por dois anos, serviu no Hospital de Cracóvia e, por seu trabalho, foi agraciado com a distinção da Cruz Vermelha. Pediu depois para ir para o front e em 5 de maio de 1916, recebeu a Cruz Espiritual do Mérito do exército austríaco, com a seguinte motivação: “Excelente e sacrificado serviço diante do inimigo. Desempenhou seu dever com zelo e dedicação extraordinários. Raro exemplo de sacerdote, que se consuma de modo ideal na sua vocação e merece ser condecorado pela suprema Autoridade.”  Capturado pelo exército italiano, ficou dois anos na prisão militar de Trento. Como verdadeiro santo, nunca nos falou de nada disso na casa salesiana de S. José dos Campos.

                O triste legado da 1ª Guerra Mundial, com o sacrifício de toda uma geração de jovens, foram os horrores da Segunda Guerra de 1939  a 1945. Culpado disso, creio, foi o tratado de Versalhes, que não merece o nome de tratado de paz, mas sim imposição de vencedores.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O Papa pela paz

“Nunca mais a guerra! Nunca mais!” – foi o brado suplicante do Papa Paulo VI em 4 de outubro de 1965 à  Assembléia das Nações Unidas, acrescentando: “Nunca mais uns contra os outros, nunca mais”. Papa Francisco retomou este brado de paz, do qual se fez intérprete, lembrando que a “a humanidade é uma única grande família sem distinções”. No Angelus  do domingo, 1º de setembro, ele exclamou: “O uso da violência nunca conduz à paz. Guerra chama mais guerra, violência chama mais violência.” Foi nesse Angelus, que o Papa reza da janela do Palácio Vaticano,  todos os domingos, ao meio-dia, com os fiéis na Praça de S. Pedro, que ele convocou toda a cristandade e os homens de boa vontade do mundo inteiro para no sábado seguinte, que era 7 de setembro, fazer um dia de jejum e de oração pela paz na Síria.
                Aos cristãos ortodoxos da Igreja sírio-malancar, cuja delegação ele recebeu no dia 5 daquele mês, o Papa Francisco convidou a juntos superar a cultura do confronto pela cultura do encontro, unidos católicos e cristãos ortodoxos na oração pela Síria.
                No sábado, 7 de setembro, unido a toda a Igreja naquele mesmo horário, o bispo de Roma concluiu o dia de  jejum e oração pela paz, com uma celebração das 20 às 24 horas na Praça de São Pedro, com  participação de cerca de 100 mil pessoas. Dois jovens sírios, Amman e Ismael, com a bandeira de seu país, em nome de grande número de muçulmanos, que participaram da celebração, afirmaram: “Estamos todos aqui para agradecer ao Papa, que demonstrou  compaixão  pelo nosso povo e porque hoje estamos todos unidos na oração pela paz”. Foram a oração e o jejum as armas indicadas pelo Papa Francisco para afastar a violência e a guerra.
                Espantam os números do conflito que já provocou mais de cento e dez mil mortos, numerosíssimos feridos e mais de seis milhões de deslocados e refugiados. As fotos das crianças famintas, divulgadas pela imprensa, são de cortar o coração. “Um ulterior agravamento da situação militar na Síria só teria tristes consequências para aquela população já tão sofrida”, disse com amargura o Cardeal Robert Sarah, presidente do Pontifício Conselho  Cor Unum, enviado do Papa para visitar pessoalmente os campos de refugiados  no Líbano e na Jordânia.
No esforço para evitar o pior, que seria uma intervenção militar dos Estados Unidos ou das potências européias, o Papa Francisco escreveu uma carta, datada de 4 de setembro,  ao presidente russo Vladimir Putin, que presidiu em São Petersburgo a reunião do G20, as vinte maiores potências econômicas do mundo. “Os chefes dos estados do G20 tomem consciência de que é inútil a pretensão de uma solução militar na Síria” – advertiu o Pontífice. E acrescentou: “Infelizmente, os demasiados conflitos armados que hoje afligem o mundo apresentam-nos, todos os dias, uma dramática imagem de miséria, fome, doenças e morte. Com efeito, sem paz não há qualquer tipo de desenvolvimento econômico. A violência nunca leva à paz, condição necessária para esse desenvolvimento.”

São essas as expressões da solicitude pastoral do Santo Padre, Pastor da Igreja de Cristo Jesus, pela paz no mundo e, agora, com empenho especial pelo Oriente Médio e em particular pela Síria que vive no momento uma história de dor e de morte.

terça-feira, 1 de julho de 2014

A devoção ao Coração de Jesus

A devoção ao Coração de Jesus é do domínio da história e da teologia.  É  fato histórico e verdade teológica.  Antes de S. Margarida Maria Alacoque (22/07/1647 – 16/10/1690) e S. João Eudes (1602-1668), houve quem tivesse e propagasse a devoção ao Coração de Jesus : S.Bernardo, S. Gertrudes, S. Mectildes. O próprio S. Agostinho (430) tem belíssima reflexão sobre a transfixação do Coração de Jesus pela lança do centurião romano.
Porém o culto que se tornou público do Coração de Jesus e que foi admitido oficialmente pela Igreja tem sua origem nas revelações de S. Margarida Maria Alacoque no fim do século 17.
Motivo deste culto, diz o P. Garrigou Lagrange, é a excelência da caridade de Cristo e a excelência de seu coração físico, orgânico, o qual é digno de adoração porque é coração da Pessoa Divina que é o Verbo feito carne e porque é símbolo de seu amor. Não se pode separar o coração da pessoa de Jesus.  O objeto da nossa devoção é a mesma Pessoa divina que se manifesta no amor e no seu símbolo que é o coração.
Objeto próprio desta devoção – diz oP.Bainvel - é o coração de carne, emblema do infinito amor de Jesus. Portanto nem o coração só, nem só o amor de Jesus. Mas o coração, como símbolo e expressão do infinito amor de Jesus por nós. Mostrando a S.Margarida Maria o seu peito aberto, disse Jesus: “Eis o coração que tanto tem amado os homens e que  não se poupou até à morte em  demonstrar-lhe todo s/ imenso amor.”
                Aí estão os dois elementos que constituem a devoção  ao Coração de Jesus  como é praticada hoje na Igreja:
              - o elemento sensível – o coração de Jesus;
                - o elemento espiritual – o infinito amor de Jesus por nós,  do qual é símbolo e expressão o coração.
                Os dois elemento, o coração amante e o amor do coração, são essenciais nesta devoção como a alma e o corpo são essenciais no homem e constituem um só homem. 
                A devoção ao Coração de Jesus é a devoção do amor de Jesus por nós; amor com que nos amou como homem e o amor com que nos ama como Deus.
Por isso, essa devoção se compraz em estudar e meditar esse amor liberal e generoso em todos os seus benefícios, detendo-se especialmente em duas de suas maiores manifestações, depois de sua Encarnação, depois de se fazer homem como nós. São elas: a Paixão e a Eucaristia. Comenta o Pe. Croiset: “Objeto particular da devoção ao Coração de Jesus é o amor imenso do Filho de Deus  por nós, que o fez entregar-se à morte pela nossa salvação e dar-se como alimento para nossa alma no SS. Sacramento do Altar.
Consequência para nossa vida cristã: é ser todo de Jesus  para sentir o que Ele sente, para amar o que Ele ama, apropriar-se de seus sentimentos de amor, oferecer a Deus uma vida de reparação e de amor.
Mas a grande lição do Coração de Jesus nós encontramos nos dois textos bíblicos da liturgia da festa do Sagrado Coração de Jesus:
              1 Jo 4,16: “Deus é Amor, quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele.”
Mt 11,20 : “Aprendei de mim,  que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso.”