sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

                                    "Virtus in medio".

                                         Dom Edvaldo G. Amaral (*)


         Este conhecido provérbio, "a virtude está no meio", parece-me ter sua origem nas luminosas palavras de Horácio em suas Epístolas, livro 1, 18 : "Virtus est médium vitiorum et utrimque reductum", que seria mais ou menos isso: "A virtude é o meio termo entre dois vícios, equidistante de ambos."
          Digo isso porque condeno, com toda a veemência possível, os atentados terroristas que assassinaram em Paris os doze cartunistas da revista francesa de sátira Charlie Hebdo. Essa revista, fundada na França em 1970, tornou-se famosa quando em 2006 reproduziu as  charges do jornal dinamarquês Jyllands-Posten sobre Maomé. Ela assemelha-se ao nosso Pasquim, dos tempos do regime militar. O editor da revista na época era PhIlippe Val, que em 2000 havia escrito uma matéria, chamando os palestinos de "não-civilizados". Uma colega de redação, Mona  Chollet, criticou a publicação e o problema foi resolvido com a demissão sumária da jornalista.
             Sou absolutamente contra a morte dos jornalistas, quando lembro também a frase famosa de John Donne: "A morte de cada homem diminui-me, pois faço parte da humanidade; eis porque não me pergunte por quem os sinos dobram; é por mim que eles dobram."
              Mas quero condenar aqui, com igual veemência, a linha editorial da revista Charlie Hebdo, embora essa posição seja no momento antipática e impopular. Após o atentado que a revista sofreu em 2011, ela vem intensificando seus ataques ao islamismo, sobretudo à figura do profeta Maomé, que na religião muçulmana não pode ser retratado de forma alguma. Mas a revista ataca com suas ironias também o judaísmo e o cristianismo. Charges gravemente ofensivas foram publicadas sobre o Papa Bento XVI e a SS. Trindade.
              Mas acontece - e o que acho pior ainda - é o tratamento que é dado na França e reforçado pela opinião pública, aos nascidos naquele país, filhos de oriundos   das antigas colônias, como Marrocos e Argélia, e de religião muçulmana. São cidadãos de segunda categoria. Para os nacionalistas franceses, sejam eles de direita, de centro ou de esquerda, é inadmissível que 10% da população do país não sigam o que eles chamam "o modo de vida francês". Assim as mocinhas francesas podem andar pelas ruas com o mínimo de roupa possível, mas as jovens  muçulmanas não podem usar o véu, que a sua religião prescreve.
             É uma pena que "a filha predileta da Igreja", hoje totalmente paganizada, tenha se entregue também à islamofobia...

(*) É arcebispo emérito de Maceió
blog: dedvaldo.blogspot.com.br